21 agosto 2020

Razões para ler Flush de Virgínia Woolf como um escritor:

 Flush: memórias de um cão é a biografia fictícia de um cão cocker spaniel de origem inglesa que mostra a história de amor dos poetas Robert Browning e Elizabeth Barret percebidos através do ponto de vista do animal de estimação de Elizabeth. 

Algumas razões para você ler esse livro que parece (mas não é) um livro infantil:

1) Virgínia Woolf (Inglaterra, 1882 – 1941) foi uma das maiores escritoras de língua inglesa do século XX, além de crítica literária, ensaísta e editora com grande influência na literatura mundial, sendo considerada uma das figuras mais proeminentes do modernismo. 


2) É um livro aclamado pela crítica e pelo público, muito bem escrito, porém leve e fácil de ler:  

Muito já foi dito sobre as principais obras de Woolf, porém encontramos uma lacuna quando se trata de Flush: memórias de um Cão que talvez por ser o livro mais acessível da autora acaba sendo pouco estudado nos meios acadêmicos. Entretanto, apesar da fácil acessibilidade, Flush em momento algum é menor do que as outras obras da escritora, ao contrário, seu estilo leve, bem humorado e simples mostram o amadurecimento da autora e sua segurança em tratar de temas sérios como a crítica irônica feita à sociedade burguesa vitoriana e seus valores. 

Lembrando: para escrever de maneira “fácil” é preciso ter pleno domínio da escrita. Esse livro consumiu cerca de dezoito meses de trabalho de Woolf, sendo, portanto, uma brincadeira bastante séria, pois, ao criar um livro de memórias de um cão, Virgínia explorou os recursos da narrativa de forma primorosa e levou o fenômeno da consciência para além dos limites do real.   


3) Traz aspectos históricos sobre outros escritores, tem intertextualidade com outras obras: 

Robert Browning (Inglaterra, 1812 – 1889) e Elizabeth Barrett (Inglaterra, 1806 – 1861) foram dois grandes poetas ingleses da época vitoriana. As Cartas de Robert Browning e Elizabeth Barrett Barrett (2005) reúnem em dois volumes as 573 correspondências trocadas pelos poetas entre os anos de 1845-1846.

A história de amor vivida por Robert e Elizabeth e retratada nas cartas possuem dois atrativos para o público: primeiro por sua beleza estética e literária e segundo por seu conteúdo biográfico. Seja como for, a obra é, sem dúvida alguma, a mais célebre correspondência de amor da língua inglesa.

Todo o romance é descrito nas cartas e também no livro Sonetos da Portuguesa (2011) cujos poemas foram escritos entre uma carta e outra e se entrelaçam com a correspondência narrando a história de amor entre os dois.

O conceito de intertextualidade proposto por Kristeva (1980) é de que qualquer texto é construído como um mosaico de citações e uma absorção e transformação de outro. Woolf utilizou-se daquilo que leu anteriormente para compor sua obra e isso foi representado tanto por meio de paráfrases como de citações diretas. Woolf explora o discurso de outro e utiliza-se da palavra ambivalente, tendo como característica também uma influência ativa (modificação) da palavra de outro em palavra do escritor. 


4) Faz um retrato social e econômico da Inglaterra vitoriana: mostra de maneira sutil as diferenças culturais e sociais do período, fazendo uma crítica à sociedade burguesa vitoriana.        


5) O estilo da escrita, aprofundando a consciência do protagonista e usando muito a cinestesia:

        Apesar de ter sido escrito em terceira pessoa, o livro Flush: Memórias de um Cão (2010) nos traz quase sempre a visão de Flush. Segundo Wood (2011) esse processo se chama “estilo indireto livre”, pois ao mesmo tempo em que o autor nos traz a onisciência da terceira pessoa, traz também um compartilhamento de segredos que nos faz ver o modo de pensar e falar do personagem, assumindo suas qualidades e dando a ele a posse das palavras. Através desse estilo, o escritor está livre para conduzir o pensamento e conformá-lo às palavras do personagem, aproximando-se do fluxo de consciência, que é justamente a direção que o estilo indireto livre toma no fim do século XIX e início do XX.
        Podemos ver no livro como Flush "enxerga" o mundo de forma diferente dos humanos, muito mais com o olfato ou o tato, por exemplo, sendo uma excelente forma de ver como a autora lidou com a questão da perspectiva e do ponto de vista do cachorro.

Essas são algumas razões, dentre muitas outras para você ler Flush!

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